O Ente e a Essência

16/08/2012 22:42

O Ente e a Essência[1]

Por Frater Everaldo, scj

 

            No primeiro capitulo o autor destaca que o ente por si se diz de dois modos: de um modo que é dividido em dez gêneros; de outro significando a verdade das proposições. No primeiro modo, não pode ser dito ente senão aquilo que põe algo na coisa.

           Em segundo modo pode ser dito ente tudo aquilo do qual pode ser formada uma proposição afirmativa, ainda que não acrescente nada na coisa. Assim o ente dito em primeiro modo é aquilo que significa a Essência da coisa. Daí o filósofo dizer que pode ser denominada, natureza, quididade, forma, como, porém, o ente se diz de maneira absoluta e por primeiro das substancias.

             Algumas das substancias são simples, e outras compostas, porém, em ambas há essência, mas nas simples mais verdadeiras e nobre, sendo Deus a substância primeira a mais simples e nobre. Daí dizer o autor que como essas nos são mais ocultas, começa-se pelas compostas, afim de que se tenha um aprendizado mais adequado.

Na substancias compostas encontra se forma e matéria, mas não se diz que apenas em uma delas se encontra a essência porque a matéria sozinha não é a essência daí, pois a coisa é conhecível pela essência que é captada pelo intelecto, e não pelo gênero ou espécie da qual pertence. Ao se pode também dizer que a essência é signifique a relação entre matéria e a forma. Ora, a essência é de acordo com o que a coisas é dita ser; daí, ser preciso que a essência pela qual a coisas é denominada ente, seja não apenas a forma, nem apenas a matéria, mas ambas, embora a seu modo somente a forma seja causa deste ser. Assim a forma do animal está contida implicitamente na forma do corpo, na medida em que é seu gênero. Portanto, o gênero significa indeterminadamente o todo que está na espécie, pois não significa apenas a matéria.

            Donde Avicena dizer que o gênero não é inteligido na diferença como parte de sua essência, mas  apenas como um ente à parte da essência, assim como o sujeito também pertence a intelecção das afeições. Por isso, o gênero não se predica da diferença falando propriamente. No entanto, embora, o gênero signifique toda a essência da espécie, pois a unidade do gênero procede da própria indeterminação ou indiferença.

Diz o comentador, que a matéria-prima é denominada um pela comunidade da forma significada. Assim também o homem, deste modo é significado pelo nome de humanidade; de fato, humanidade significa aquilo donde procede que o homem seja homem. E, como a parte não é predicada do todo, daí procede que humanidade não se predica, nem de homem, nem de Sócrates. Mas, como foi dito, a designação da espécie a respeito do gênero se dá pela forma, a designação, porém, do individuo a respeito da espécie se dá pela matéria. E por causa disto às vezes o nome de essência encontra-se predicado da coisa; com efeito, dizemos que Sócrates é certa essência, e às vezes se nega, assim como dizemos, que essência da Sócrates não é Sócrates.

            Visto o que significa essência nas substancias compostas, vale ver o que e gênero e diferença. Entretanto, vista a noção de gênero é possível que a noção universal caiba à essência na medida em que é significada a modo de parte, é por isso que a racionalidade não é diferença, mas principio de diferença. Resta, então, que a noção de gênero ou de espécie caiba à essência, na medida em que é significada a modo de todo.

Ora, a natureza pode ser considerada de dois modos: de acordo com sua noção própria; de acordo com o ser que tem nisto ou naquilo. Está natureza tem um duplo ser: um nos singulares e outro na alma, e de acordo com ambos, seguem-se acidentes à citada natureza, mas nenhum desses seres é por si mesmo, de acordo com sua primeira consideração, isto é, absoluta. Portanto, é claro que a natureza do homem abstrai de qualquer ser de tal modo que a noção de universal caiba à natureza, assim tomada, pois a unidade e a comunidade são da noção de universal. Resta, portanto, que a noção de espécie advenha à natureza humana o intelecto abstrai tudo é individualiza, tendo uma noção uniforme para com todos os indivíduos que há fora da alma. E por tal relação para com todos os intelectos descobre a noção de espécie e lha atribui. Daí dizer o comentador; que o intelecto é que produz a universalidade nas coisas.

            E, embora esta natureza inteligida tenha noção de universal, é de certa espécie inteligida particular. No entanto, ser predicado cabe por si, ao gênero visto que é posto na sua definição. Fica, então, claro, como a essência ou natureza está para a noção de espécie; cabendo se também, assim a noção de gênero ou diferença.

            Resta ver de que modo há essência nas substancias separadas, isto é, na alma, na inteligência e na causa primeira. Para Tomás, a matéria primeira, ou seja, a substância primeira não é, e não pode se constituída de matéria, por isso diz que ser preciso que em qualquer substância inteligente, haja total imunidade de matéria. Segundo ele não pode alguém dizer que não é qualquer matéria que impede a inteligibilidade, mas apenas a matéria corporal, de foto, segundo ele se isto se desse apenas em razão da matéria corporal, então, seria preciso que a matéria obtenha isto, quer dizer, impedir a inteligibilidade da forma corporal. E isto não pode ser, pois também a forma corporal é inteligível. Ora, acontece que o relacionamento da matéria e da forma é tal que a forma dá ser à matéria e deste modo é impossível que haja matéria sem alguma forma. Tais formas são inteligências e, por isso, na é precisa que as essências ou qüididade destas substâncias sejam algo de outro que a própria forma.

           Portanto, a essência das substâncias compostas se difere das simples nisso, as compostas são matéria e forma, e as substâncias simples são apenas forma.

            E por isso, Tomás afirma que como é preciso que haja alguma coisa que seja causa de ser para todas as outras coisas, de outro modo ir-se-ia ao infinito nas causas. Assim tudo que recebe algo de outra, está em potência a respeito disso: e isto que é recebido nele é seu ato, assim é preciso que a própria qüididade ou forma, esteja em potência a respeito do ser que recebe de Deus, e esse é recebido a modo de ato.

            E deste modo depois da forma que é a alma encontra-se outras formas que têm mais potências; também outras que estão mais próximas da matéria tanto que seu ser não é sem matéria. Donde nem terem alguma operação, senão de acordo com a exigência das qualidades ativas e passivas, e a demais, pelas quais a matéria se dispõe para a forma.

            Visto isto, fica claro que a essência se encontra nas diversas coisas, com efeito, há algo, como cuja essência é seu próprio ser. Daí segue a idéia de que ele não esteja em nenhum  gênero ou espécie, pois para estar em gênero ou espécie teria que ter qüididade, natureza, forma a parte de seu ser. Mas este Ser só pode ser Deus, pois Deus é de tal condição que nenhuma adição lhe pode ser feita, pois é puro, é um Ser distinto de todo ser. E que todas as outras coisas que derivam de Deus, que é causa primeira, dá-se por pura bondade Dele. Assim o que há de Deus nas outras coisas são de modos diversos, enquanto que em Deus são uma. Assim Deus tem todas as perfeições no seu próprio Ser.

            De um segundo modo se encontra a essência nas substancias criadas intelectuais, embora a essência seja sem matéria. É o caso da fênix, que tem sua essência em autodestruir-se para gerar nova vida, nascer de novo, mas que enquanto criada pelo intelecto é desprovida de matéria.

           Ora, os acidentes próprios das substancias imateriais nos são desconhecidos; donde as suas diferenças não pode ser por nós significado, nem por si, nem pelas diferenças acidentais. Como, porém as substancias imateriais são qüididade simples, a diferença não pode ser assumida nelas daquilo que é parte da qüididade, mas de toda a qüididade. Por isso diz Avicena: “não tem diferença simples senão as espécies cujas essências são compostas de matéria e forma”.

          Assim uma substancia separada converge com outra na imaterialidade e entre si no grau de perfeição, de acordo com o afastamento da potencialidade e aproximação do ato puro. Daquilo, porém, de que deriva nelas o grau de perfeição, é assumido nelas as diferenças desconhecidas para nós. E de um terceiro modo, encontra-se a essência nas substancias compostas de matéria e forma, mas nas qual tanto o ser é recebido e finito, além disso, a natureza delas é recebida na matéria assinalada. E por isso são finitos tanto superior quanto inferiormente, e nelas já é possível à multiplicação dos indivíduos numa espécie, por causa das divisões da matéria assinalada.

          Resta agora ver como há essência nos acidentes, pois foi dito como há em todos as substancias. Visto que essência é aquilo que é significado pela definição, assim é preciso que tenha essência da matéria como tem definição. Sabendo se que as formas substanciais e acidentais deferem muito, pois , assim como a forma substancial não tem por si ser absoluto sem aquilo ao qual aderem, a matéria também não. Donde a forma considerada em si não tenha uma noção completa de essência, é parte de uma essência completa, mas aquilo do qual o acidente advem é um ente completo em si, subsistente no seu ser, o qual precede o acidente, que sobrevém.

           No entanto, nos acidentes que se seguem à matéria encontra-se uma diversidade, pois alguns acidentes seguem a matéria de acordo com a ordem que tem para com a forma especial, como masculino e feminino, nos animais, cuja diversidade reduz-se à matéria como diz no livro X da metafísica, donde removido a forma do animal, os referidos acidentes não permanecem se não por equivoco.

           Cumpre também saber, que os acidentes às vezes são causados pelos princípios essenciais conforme um ato perfeito. Assim como o calor do fogo que sempre é quente. Cumpre também saber, que o gênero, a espécie e a diferença são tomados nos acidentes de outra maneira que nas substancias. Pois nas substancias faz-se uma por si da forma substancial e da matéria, resultando certa natureza da conjunção deles, que é propriamente colocada no predicamento da substancia. Donde os nomes acidentais usados de modo concreto não serem postos num predicamento como espécie ou gênero, como por exemplo: branco ou musica. E porque os acidentes não são compostos de matéria e forma, assim neles o gênero não pode ser tomado da matéria, no entanto, as diferenças são tomadas neles da diversidade dos princípios, pelos quais são causados.

           Assim como os princípios próprios dos acidentes nem sempre são manifestos, tomamos então as diferenças dos acidentes de seus afeitos, assim como a vida pálida é chamada diferença de cor.

          Enfim, Santo Tomás quer demonstrar no decorrer da obra, que Deus é Ser por excelência, e causa primeira de todas as coisas, e que em Deus essência e existência coincidem-se, enquanto nas criaturas, essência e existência pode ser distinta, ou seja, o fato de se ter essência não implica necessariamente existência.

        Quer ainda o autor deixar claro, que nenhuma das criaturas materiais ou intelectuais pode existir por si mesmo, todas derivam da bondade de Deus, do qual podem conter por participação. E que Deus existe independente da existência das criaturas, pois é Ser absoluto, por excelência e por Si mesmo.

 


[1] AQUINO, Tomás de. O Ente e a Essência. Tradução de Carlos Arthur do Nascimento. ed. Vozes Ltda. Petrópolis, RJ. 2005. [Coleção textos filosóficos].