Há um sentido para a quaresma nos tempos de Hoje?
Há um sentido para a quaresma nos tempos de hoje?
Por frater Everaldo scj
A pergunta acima para os que creem pode parecer um tanto quanto óbvia sua resposta. De fato é óbvia para quem crê responder que há um sentido para se reviver o tempo quaresmal, porque se deve visar uma preparação-conversão para bem celebrar o sentido mais profundo de ser crente, no sentido cristão de ser e ver o mundo e as coisas criadas por Deus, neste “mistério revelado” do infinito amor do Pai em seu Filho Único Jesus Cristo, ressuscitado dentre os mortos, está o centro da fé cristã. Como nos diz São Paulo, “se cristo não ressuscitou vã é nossa fé”. (1 Cor 15,13-14).
Fácil compreender, então que há um sentido para se viver bem o tempo quaresmal, tendo em vista a preparação interior para bem celebrar a GRANDE FESTA CRISTÃ, a PÁSCOA.
Muitos dos que creem, ainda assim hão de perceber tal qual eu, que diversos costumes se perderam no mundo atual, e talvez já não haja mais sentido para a quaresma, sentido aqui compreendido como: tempo, espaço; uma vez constatado que o comércio também se prepara para a “Páscoa” e que este já oferece chocolates nos mais diversos sabores, e diante disso corremos o risco crendo ou não em Cristo, de se “afogar” num delicioso banquete com chocolates e diversos outros produtos oferecidos para “bem celebrar esta data”.
Digo bem celebrar entre aspas, porque no sentido primeiro da Páscoa, não seria com Banquetes de chocolate que se celebra bem a Páscoa cristã e sim com um entendimento prévio do que é o tempo da quaresma, supracitado, tempo de preparação interior, de busca de conversão, procura do “Cristo misericordioso” na pessoa do Sacerdote para fazer uma boa Confissão e só, então, de coração e mente tranquila em comunhão com os irmãos (as) e comunidade, celebrar sim BEM A PÁSCOA!
É preciso, ainda compreender qual a origem deste tempo? Porque a Igreja, mãe e mestra, detentora da Tradição de mais de dois mil anos, propõe aos seus filhos (as) – fiéis – prepararem-se para esta festa? Porque quarenta dias?
Para encontrar um sentido verdadeiro e profundo para viver bem a este tempo, é preciso entender o que pode significava quarenta, o numero quarenta para os Judeus, ao menos na linguagem bíblica. Vejamos por exemplo o que diz em Genesis: “Porque, passados ainda sete dias, farei chover sobre a terra quarenta dias e quarenta noites; e desfarei de sobre a face da terra toda a substância que fiz”. (Gn 7,4).
É preciso antes, saber que o livro do Genesis não é o primeiro a ser escrito, embora esteja nos livros canônicos como o primeiro, por falar, por assim dizer das coisas primeiras, como por exemplo, da Criação, sem a qual não haveria nenhuma da outras “consequências”.
Consequência aqui não deve ser entendida como coisas que sejam más por si, mas por fato primeiro que geraram todos os outros fatos, fala de Deus, que cria o Mundo e o gênero humano; ora sem esta criação de Deus não haveria Páscoa e diversas outras festas humanas, pois estes não existiriam. Muito óbvia esta resposta, creio eu.
A quaresma, então pode ser entendida como tempo necessário, útil, suficiente, eficaz, oportuno, privilegiado, onde a simbologia cristã, juntamente com toda sua Liturgia ressalta apontando para a necessidade de se rever a vida de cristãos batizados, sobretudo, a estes, como foi e esta a caminhada rumo a vida eterna, para que ao final da quaresma passa abrir as janelas[1], não mais da arca, mas de seu coração e em maior harmonia com Deus e o outro celebrar Ressurreição de Cristo.
Ai esta o verdadeiro sentido do tempo quaresmal e das propostas da Igreja para que os seus fiéis vivam e se preparem durante este tempo oportuno.
Mesmo o livro do Genesis nos remete ainda a estes quarentas dias de dilúvio como tempo que se cumpriu, como encontramos em Gn 50,3 – fazendo lembrança do tempo em que se passavam embalsamados o corpo para se cumprir a cerimônia.
Outra citação de tempo necessário para purificação ou podemos entender como preciso para clarear as coisas interior, para melhor falar com Deus, a passagem de Êx. 24,18.28; “E Moisés entrou no meio da nuvem, depois que subiu ao monte; e Moisés esteve no monte quarenta dias e quarenta noites”. Depois disso é que Moisés pode, então, permanecer com o Senhor.
Quantos de nós precisaríamos de anos e anos para se purificar das nossas “imundícies” se fossemos ter com Deus? O fato é que quarenta é então um tempo viável, necessário, para a purificação interior. São quarenta dias que uma mulher devia ficar sem contato com outras pessoas quando dava a luz a um filho de suas entranhas.
Não que a mulher ficasse de fato impura ou fique, hoje ao dar à luz seu filho (a), mas é um tempo precioso para recuperar as energias, do corpo. Quarenta dias é o tempo útil para uma desintoxicação de diversos alimentos que consumimos, e se passamos uma quaresma sem comer carne, por exemplo, ficamos com nosso organismo mais leve, desintoxicados, mais “puros”.
Quarenta era ainda o tempo preciso para diversas outros acontecimentos na cultura Judaica[2]. Jesus era Judeu, e nós herdamos diversos costumes da tradição judaica, sem dúvida que concomitante com a vida, paixão e morte de Cristo, que foi Judeu, nós é que somos cristãos.
Diz-nos ainda referente aos quarenta dias, que Jesus tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites teve fome[3]. Ora, João esta escreve: “No principio era o Verbo e o Verbo estava voltado para Deus [...] e o Verbo se fez (Carne) Homem e habitou entre nós[4]”.
Se Deus se fez homem em plenitude, não é preciso nem fé para crer que não precisou passar quarenta dias para sentir fome, apenas com o uso da razão já se pode concluir que o TERMO QUARENTA referente a Jesus também é um tempo figurado, necessário, Jesus é o profeta anunciado por Isais.
João vê Nele – em Jesus – a semelhança dos grandes profetas do Antigo Testamento, Moisés, que passou quarenta dias para falar com Deus na Montanha, como supracitado, mas em Jesus esta em plenitude, por isso João utiliza a linguagem simbólica para descrever o Messias, de forma que o povo compreendesse e esta não se esgotasse, pois assim ainda é a linguagem simbólica.
Então, o deserto onde se encontra Jesus é o lugar de purificação, onde mora o que não é bom, tal como no Mar, para a cultura judaica, por isso Jesus envia os dois mil espíritos imundo para os porcos que vão atirar-se ao Mar, lá mora o mal, e lá deve ficar não se fala mais dos porcos.
Quanto à simbologia implícita na QUARENTENA, é este mesmo termo que ainda se faz uso a linguagem tecnológica. Quando algo ao esta bem precisa ficar em observação, isto é, em quarentena.
A Igreja sabia Mãe e mestra indica como que uma seta a seus adeptos que não estando em perfeita comunhão com Deus é preciso parar, e pensar, penitenciar-se e confessar-se para voltar a “comunhão mais perfeita” com o Pai.
Este é um dos sentidos da quaresma, mas muitos não se dão conta e chagam a considerar sem sentido o tempo quaresmal, o que se pode entender é que tal ser não tem conhecimento nem mesmo, das circunstancias atuais, pois nós mais do que outrora não vivemos sem sinais externos.
Basta olhar para uma avenida na cidade em que você mora, sem as placas indicativas seria um verdadeiro caos dirigir, cada um com o desejo de chagar mais rápido ao destino faria “conversão” às ruas que dessem acesso e caminho mais curto para onde quer ir, mas o outro também quer chegar, então os sinais falam mais do que se pode imaginar, tal qual as placas que se encontram no decorrer de uma rodovia, alertando: DEVAGAR, CURVA A ESQUERDA, CURVA A DIREITA, DECLIVA, PONTE, ACLIVE, PROIBIDO RETORNAR, MÃO ÚNICA, ETC, a Igreja propõe àqueles que desejam estar mais “purificados” para celebrar o memorial da Páscoa, praticar anualmente um tempo de Oração, jejum e Caridade, note bem, mais intenso, porque todo tempo é tempo de se praticar tais atos.
Enfim quarenta quer dizer então, tempo necessário para nascer de novo, por isso o povo passou quarenta anos no deserto; 40 dias o dilúvio, quarenta dias da Ressurreição Jesus aparecia de tempo em tempo[5] aos discípulos falando-lhes das coisas do Reino.
Os termos quarenta aparecem aproximadamente 22 vezes na Bíblia, mas sempre com carga simbólica.
Há então sem duvida alguma um sentido para a quaresma hoje, no mundo atual, basta que compreendamos porque quarenta é um tempo necessário, para melhor celebrar o que é o centro de nossa fé, a Ressurreição de Cristo. Daí decorre a urgência de conversão ao verdadeiro Caminho que é Cristo.
Do sinal posto em nossas cabeças – cinzas – representando o desejo de desta vez mudar de verdade, confessar-se e não mais voltar ao pecado. Vale o propósito, vale o desejo sincero de mudança, a busca incansável pelo Sacramento da reconciliação – confissão – para que ao terminar este tempo propício a mudança de vida estejamos mais unidos a Deus e aos irmãos e irmãs.
Se buscarmos viver assim com este intuito o tempo quaresmal, então estaremos vivendo o nosso Batismo, que lava e purifica de todo pecado, mas que sem os exercícios quaresmais não chegaríamos onde desejamos dentro da vida cristã, a santidade.
Fiquemos atentos para não sermos sufocados pelas guloseimas que o mercado pouco interessado em “purificar” nossos organismos e muito menos nossa vida de fé, nos oferecerá, nas suas prateleiras.
Devemos viver a quaresma para bem celebrar a Páscoa[6] com seus verdadeiros sentidos, então será a festa verdadeiramente cristã.
Bom retiro quaresmal a todos e que tenhamos uma excelente celebração Pascal!
[1] “E aconteceu que ao cabo de quarenta dias, abriu Noé a janela da arca que tinha feito”. (Gên 8,6).
[2] Cf. Nm. 14,34; Dt 9,9; 9,11; 9,18; 9,25; I Sam 17,16; I Reis 19,8; Ez 4,6; Jn 3,4;
[3] Cf. Mt 4,2;
[4] Cf. Jo 1,1.14.
[5] Cf. At. 1,3.
[6] N.B. A Páscoa também era a festa da colheita, e a festa das tendas, daí que o Evangelista diz que o Verbo se fez Carne e Habitou, fez morada, entre nós. (sobre este sentido/tradição falarei noutra ocasião).