Elias o Profeta e o Poder

18/03/2015 18:55

Elias: O Profeta e o Poder[1]

 

            No decorrer do texto de Varone, o que se percebe é que a ação de Deus não está sujeita à lógica humana, ou seja, aos joguinhos humanos, como o profeta Elias parece ter pensado, talvez até acreditado por um certo tempo. Sobretudo quando ele entra em conflito com o Rei, deixa-se escapar no texto que há uma disputa por poder, mesmo em nome de Deus, qual Deus é mais forte, o de Elias ou o do Rei? E inda, há um desejo de satisfação pessoal, pois nota-se que ao término do embate quem vencer será seguido pelo povo, ou seja, terá a submissão do povo. Seria mesmo o Deus de Israel que estava agindo por meio do profeta nestas circunstancias?
            Outro fato é que o autor contrasta Elias com Jesus, naturalmente dizendo que as narrativas bíblicas propõem Elias para situar Jesus, contudo nem tudo em Elias é idêntico a Jesus, mas neste caso é um contraste que serve para situar, ou seja, aquilo que é em Elias não o é em Jesus.
            Assim em Elias diante do Rei Acab, tem um “ímpeto de grandeza” ao desafiar os profetas de Baal, e ao mesmo tempo seu desejo de ser reconhecido como único e verdadeiro servidor do Deus Verdadeiro, não o deixa perceber o projeto de Deus para seu povo, nem para sua vida. Contudo é em Sarepta, diante de um povo estrangeiro, onde quase não havia mais expectativa de vida é que alguém, no caso a viúva, vai lhe reconhecer como profeta, aquilo que ele desejara antes diante do Rei e do Povo[2].  Vemos que Deus se revela na humildade e seus planos nada ou quase nada tem a ver com nossos projetos pessoas de grandeza.
            O texto segundo Varone, não nos deixa nenhuma menção de que Ele o Senhor autorizasse esse desafio entre Elias e os Profetas de Acab, mas ao contrário, da parte do Senhor, lhe é pedido retirar-se dali. O texto não narra, mas dá para imaginar que Elias tenha se sentido derrotado, mesmo antes do resultado de seu desafio, pois o próprio Senhor lhe pede para afastar-se do local, e, então que vai a Sarepta e na humildade e escassez de alimento, da vida, é que pode perceber a mão e presença de Deus; insistentemente a “Palavra de Deus não cessa e em seguida de intervir, na decepção de Elias o envia a revelar a bondade de Deus aos pequenos”[3], no caso na vida daquela viúva e seu Filho.
             Segundo o autor Elias ainda não se convencerá de que Deus tem seu modo de agir, mesmo diante destes fatos, vai reconhecer somente mais adiante, quando percebe Deus na Brisa suave e passará o manto a Eliseu, veremos mais adiante.
            Desta forma “Sarepta nos serve para nos situar de que a salvação não é como uma relação jurídica entre Deus e o homem, mas como uma qualidade do desejo do homem e uma maneira de ser no mundo e no povo de Deus”[4].
            Paralelamente com Jesus vai se dar algo similar, pois e esperava que Deus se manifestasse aos grandes, no templo, aos sábios e o menino nasce fora de Jerusalém, e o anuncio da Boa Nova se dará primeiramente aos pequenos e não grades, chefes e doutores. Nem se dará por méritos de cada um, mas por pura graça de Deus como vai afirmar São Paulo, “somos justificados pela graça em Jesus cristo” (Rm 3,21).
            Adiante há uma nova disputa de “poder” entre Elias e os Profetas de Baal, o povo não interfere, mas ficam ao lado do “supostamente” mais forte, todo povo reunido parece estar junto dos profetas de Baal, logo depois porem como estes não conseguem fazer cair fogo sobre os holocausto; nota-se que Elias chama o povo para que se aproxime dele, e então, dá se a consumação do Holocausto e o povo aclama o Deus de Elias como verdadeiro Deus. Elias age então com violência pois manda decapitar todos os profetas, manifestando assim com esta atitude que não entendeu nada do que o verdadeiro Deus quer para os seus e o plano de salvação que tem.
            Contudo a Rainha Jezabel, não conforma e jura a cabeça de Elias, ele não entende o porquê Javé permite isto, mas teme sua vida, e foge. Novamente no que podemos chamar de “lugar vazio”, ou seja, longe de ser aclamado reconhecido como o poderoso profeta do Deus verdadeiro.
            Diante de tantas investiduras de Elias e agora ameaçado pela Rainha Jezabel, foge, para o Horeb, parece-nos que é ai no silêncio, no vazio, sem plateia, que Elias vai fazer uma experiência marcante do encontro com o Salvador. Não que ele tenha chegado ai convertido, pelo contrário, ele ainda acredita que o Verdadeiro Deus é um Deus forte, que manda a Chuva, o fogo, a Guerra, destrói os inimigos, etc.
            Elias não entende ainda que a lógica da Deus, se é que podemos dizer assim, não está amarrada aos desejos de poder humano, e chega a pedir para que o Senhor lhe retome a vida, é muita humilhação para ele, ter que fugir de Jezabel, mas Deus permanece firme em seus planos e diante do “grande fracasso” de Elias de seu egoísmo ele agora compreende que se enquadra nos pecadores do deserto de outrora e agora poderá deixar Deus ser Deus[5]e ele ser o Profeta apenas.
            Enfim, agora Elias está a sós, na caverna do Horeb, não há mais desafiador, não há quem possa seduzi-lo em suas relações em vista de poder, parece que aqui agora Deus não é mais para Elias o protetor de seus desejos de grandezas, e então, o fracasso e a confissão de sua pequenez o torna apto a ver o próprio Deus, se “projetar” na sua direção de profeta[6]”.
Interessante lembrar aqui que outrora Elias por sua vontade havia desejado manter-se diante do Rei, com todo conforto que daí poderia provir, mas agora ele se contenta em estar diante do Senhor[7]. Nestas desilusões que o Profeta vai tendo na narrativa do texto segundo Varone é que torna-o capaz de eliminar a ambiguidade que havia na concepção do profeta podemos então dizer agora que: “seu de profeta é no meio dos homens, por isso é reenviado com novas missões. Só Deus é Deus, só ele pensa, dirige e realiza sua obra divina. Elias não procurará mais identificar-se com Deus, utilizá-lo, pô-lo em seu jogo e suas intrigas: fim do seu profetismo de poder[8]”.
            Todo esse discurso acerca do profetismo de Elias, não é senão um modo de leitura crítica do texto para identificar que Deus não age como Baal, nem como os planos dos homens, sinal disso é que o Varone vai dizer quando Elias lamenta-se ter ficado só, que nem mesmo Israel, “existe mais”, é então que Deus se mostra, mas Deus é outro, ele age também de outro modo, ele age no mistério intimo da liberdade pessoal, e mesmo assim permanece inatingível pelo homem; diferente das ideias e projeções do homem.
            Elias agora parece perceber que o Deus da “brisa suave” nada tem em comum com o Baal do fogo. Elias toma agora simplesmente o seu lugar, deixando Deus ser o Senhor da História à sua maneira[9].
            A bela história acabou, ou melhor começa aqui, pois o verdadeiro Elias, “é Jesus, como nos ensina são Lucas, é com efeito nesta tradição profética mas conferindo-lhe de uma vez sua plenitude, sem mais ambiguidade alguma, que Jesus vai surgir, trazendo aos homens a diferença que salva”[10].
            Tudo isso nos mostra que a salvação de Jesus se dá dentro da História, da nossa realidade, no texto ilustra bem isso a passagem de Sarepta, que é o mundo da realidade humana simplesmente, frágil, desprovida da máscara das organizações de poder. É o mundo real da mulher e da vida real[11]. Onde o ser humano tem que lutar dia-a-dia por seu pão, sua farinha, seu óleo, enfim em meio a tantos desafios ainda resta-lhe ser solidário, fraterno, dar hospitalidade ao desamparado, usar de amor. Não é assim que narra a parábola do samaritano à beira da estrada? Usou de Misericórdia. (Cf. Lc 10,25-37).
            A fragilidade é assim condição de verdade para o povo de Deus, é lugar de salvação que se vai construindo no dia a dia como diz nas palavras do autor em questão: “O primeiro espaço da salvação é o homem mesmo com seu desejo e sua fragilidade”[12]. O segundo espaço da salvação é o estar no mundo. Assim como Elias nos achamos sozinhos muitas vezes nas lutas contra os Baals da vida, mas quando nos reconhecemos pecadores e que não somos melhores do que os nossos pais, como o fez Elias, é então que Deus se revela, pois estamos mais humildes a ponto de perceber agora que há muitas outras pessoas que combatem os mesmos males em favor do mesmo Deus.
            Não há tão pouco salvação individual, e o terceiro lugar de salvação, é pertencer ao Povo de Israel (estar na Igreja, em comunidade), estes três espaços: Revelação e pratica real não são possíveis senão na comunicação e na organização, mesmo que seja para não se deixar envolver pelos sistemas de Baals.
            Esta fragilidade do ser humano diante da realidade e dos sistemas que o aprisionam e torna-o escravo do pecado, Paulo reconhece, que somos frágeis e diz que mesmo assim este tesouro que é dado de graça, por dom e tarefa, nós o trazemos em vasos de argila, (2Cor 4,7).
            Enfim em nossos dias não é diferente, os desafios vêm de diversas formas e facetas que nem mesmo os mais “sábios” são capazes de safarem sem recorrer a ajuda de Deus que se revela lentamente na vida e na história de salvação da comunidade e da pessoa, no encontro pessoal com Jesus Cristo. Assim em nossos dias o obstáculo à experiência da salvação no Cristo é duplo: “de uma parte, vem do próprio horizonte teológico: a satisfação, com sua salvação formal, jurídica, mesquinha, não convence mais; tornou-se uma palavra estéril. De outra parte essa esterilidade interna é ainda sublinhada, posta a descoberto, pelo fato da secularização”[13].
            Não obstante a Igreja também vive, juntamente conosco este estar no Carmelo, desafiando deuses, em nome de Deus, mas no fundo instigado por um desejo de poder pessoal, e Deus nos faz como com Elias, faz ir ao Horeb, estar sozinhos e só então perceber que Deus não está disposto aos nossos joguinhos mesquinhos de grandeza diante dos outros e quando nos damos conta nossa mensagem da salvação está tão vazia que não convence mais ninguém, nem a nós mesmos.
           " A salvação, então, consistiria em “antes de fazer dela um objeto de queixa e um motivo de abandono, em reconhecer que a secularização pode ser um lugar de verdade – verdade para Deus, verdade para a Igreja e para seus profetas – um caminho de êxodo para o Deus da Salvação".
 

[1] Síntese tendo como base o texto: Elias: o Profeta e o Poder, da Obra “Esse Deus que dizem amar o sofrimento”, de VARONE, François. Santuário. SP. 2001. p. 27-56 
[2] Idem. p. 31 § 3
[3] Idem. p. 32 § 3
[4] Idem. p. 33 § 4
[5] Idem. p. 42
[6] Idem. p. 43.
[7] Idem. p. 43 §2

[8] Idem. p. 45.

[9] Idem. p. 46 §3

[10] Idem. p. 46

[11] Idem. p. 47 §3

[12] Idem. p. 52

[13] Idem. p. 54

 


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